Slow Communication

Luís Fernando Saraiva, CEO da Sqed,.

Quando comecei a escrever este artigo não sabia qual titulo usar. O tema estava perfeitamente ajustado na minha cabeça, mas o elemento inicial que atrai a atenção, não. A razão é que não se trata de criticar a comunicação como feita atualmente, ou as mensagens de texto ou o e-mail, mas apenas ponderar que já passamos do fundo do poço e se não pensarmos diferente vamos seguir indo ainda mais para o fundo, cujas consequências ainda nem conhecemos. 

Estudando os excessos da comunicação, me deparei com o livro “The Tyranny of E-mail” (“A Tirania dos E-mails”), de John Freeman. Johh é um famoso crítico literário americano e escreveu esse livro em 2011. Na época, ele verificou que o americano médio recebia mais de 200 e-mails por dia e que as caixas postais guardavam mais de 1.300 e-mails não lidos. Isso foi em 2011. Casualmente, conversei com um amigo que me confidenciou na semana passada ter 32.000 e-mails não lidos na sua caixa postal. Aos e-mails, juntaram-se as mensagens de texto, representadas desde os antigos SMS até os nem tão modernos WhatsApp, Telegram, Slack entre outros. 

As plataformas de chat, ou mensagens de texto, não substituíram o e-mail, até por terem papéis diferentes na comunicação, mas somaram-se a ele como um acelerador de tempo de resposta, ou pelo menos uma tentativa de fazer isso acontecer. Dado esse fenômeno, fui buscar o cenário das mensagens de texto na atualidade e então encontrei no The Guardian, periódico inglês, o artigo “Text anxiety: why too many messages make us want to throw our phones at the wall”, na tradução livre “Ansiedade das mensagens de texto: porque tantas mensagens nos fazem querer jogar os telefones na parede”, escrito em 2021 por Brianna Holt. 

Aqui a coisa ficou realmente desastrosa. Os números pioraram e muito para nosso cérebro gerenciar tudo isso, embora ainda sejamos o mesmo ser humano lá de 2011 – a evolução de uma espécie não acontece em apenas dez anos. A população americana tem em média 47 mensagens de texto não lidas e 1.602 e-mails não abertos, e os americanos quase não usam WhatsApp como os brasileiros. 

Todo esse volume, somando-se e-mails e mensagens de texto, geram algumas matemáticas e estatísticas estranhas e preocupantes (análise feita com a população americana): 

– as pessoas verificam seu celular a cada quatro minutos e em torno de 344 vezes por dia 

– 70% das pessoas ouvidas utilizam seu celular no banheiro 

– 67% das pessoas enviam mensagens de texto para alguém que está no mesmo ambiente – 40% das pessoas enviam mensagens de texto enquanto estão dirigindo. 

Esses e outros números podem ser encontrados aqui, o que, aliás, seria também um ótimo título para este artigo: viciados em celular. Deixando de lado a parte curiosa e preocupante, encontramos o lado mais inquietante ainda, aquele que afeta a saúde e modifica nossa sociedade, não necessariamente para o bem. Analisando o mundo do trabalho, imaginemos o seguinte cenário hipotético: um profissional em posição de gestão, em um ambiente ultracompetitivo, que possui um time para liderar, trabalhando em uma estrutura matricial. Ao longo do dia, esse profissional vai receber em torno de 150 mensagens de texto associadas ao trabalho e outros 150 e-mails. Fará em torno de seis reuniões de uma hora em média. 

Se demorar 30 segundos para responder a cada mensagem de texto, por meio do processo de seleção, leitura, cognição, tomada de decisão e escrita, e um minuto para cada e-mail, seguindo o mesmo processo, terá gasto no dia três horas e 45 minutos apenas com mensagens de texto e e-mails associados ao trabalho. Somando-se isso a seis horas de reunião, teremos quase dez horas trabalhadas. Não estão aqui somadas outras atividades como construção de apresentações, obrigações corporativas, leitura de documentos e aquelas às vezes consideradas por nós como menos importantes: desenvolvimento pessoal, socialização, almoço, beber água e ir ao banheiro. Claro, também não estão aqui incluídas as outras 150 mensagens de texto da família e dos amigos além das redes sociais. Conclusão: é demais, muito demais! E onde isso nos leva? 

Segundo o mesmo artigo de Brianna Holt, que inclui também as redes sociais, existem problemas como burnout, ansiedade, culpa, vergonha e FOMO, fear os missing out – ou medo de estar perdendo alguma coisa. Se voltarmos para o cenário descrito, como as consequências do excesso impactam o profissional em questão: 

– Burnout: sua capacidade de resolver tantas coisas em oito horas de trabalho é insuficiente e sua exigência e o ambiente competitivo dizem “você está falhando ou vai falhar em breve e isso vai acabar com seu emprego”.

– Ansiedade: falta de tempo para responder a tudo, entendendo que respostas não enviadas vão gerar problemas, além de respostas e comentários que demoram a chegar.

– Culpa: não conseguir dar conta de tudo e isso acarretar em consequências graves como a perda do emprego 

– Vergonha: a falsa visão de que os colegas conseguem fazer tudo – FOMO: perder alguma coisa pode significar ficar de fora de decisões importantes ou mesmo de grupos. Esses problemas não são novos e não existem novidades aqui. O ponto é: por que não conseguimos nos livrar deles? 

De cada dez empresas das quais converso, nove dizem não aguentar mais o excesso de mensagens de texto e e-mails, mas oito seguem incrementando o número de grupos e enviando mais e-mails para tentar melhorar a comunicação. Como todo o problema, precisamos aceitar que ele nos pertence para então refletirmos em como mudá-lo, mas isso não é fácil. 

Procurando por um movimento semelhante ao “Slow Food”, encontrei no The Wall Street Journal o “Slow Communication”, em um ensaio do mesmo John Freeman, intitulado “Not so Fast”, ou “Não tão rápido”. Achei melhor transcrever aqui algumas passagens que me encantaram muito, e que podem ser lidas no artigo na íntegra. “A infinitude da Internet sempre esbarra no duro fato de nossa natureza animal, nossos limites físicos, as dimensões de nosso presente cognitivo, a capacidade superaquecida de nossas mentes.”

“Nós vamos morrer, isso é certo; e todos que já amamos e com quem nos importamos morrerão também, às vezes — dolorosamente — antes de nós. Ser outra pessoa, viajar pelo mundo, fazer novos amigos nos dá um alívio temporário desse conhecimento, que é poupado da maior parte do reino animal. A ocupação – ou a ocupação simulada do vício em e-mail, e de todas as outras mensagens de texto – adição minha – amortece a dor dessa consciência, mas nunca pode submergi-la totalmente. 

Dado que nossos dias são limitados, nossas horas são preciosas, temos que decidir o que queremos fazer, o que queremos dizer, o que e com quem nos importamos, e como queremos alocar nosso tempo para essas coisas dentro dos limites que não mudam e que não podemos mudar. Em suma, precisamos desacelerar.” 

Sim, precisamos desacelerar, mas antes de mais nada, precisamos pensar diferente – soluções novas para problemas novos. O desafio é que o novo consome tempo para ser aprendido e esse é justamente o ponto que as ferramentas atuais tentam fazer: encurtar tempo. Como sair desse labirinto? Minha crença é que o passo inicial é a cultura empresarial, aliás, como sempre. Cabe à empresa entender a problemática e a consequência para as pessoas e então rejeitar o que é danoso e buscar o que é saudável. O segundo passo é a transformação das lideranças, de acordo com a cultura corporativa, e aqui também não temos novidades. “Walk the talk” como dizem os americanos ou “faça o que você fala”. De nada adianta uma cultura na parede e lindos discursos se os métodos e práticas utilizados pelas lideranças seguem sendo os mesmos de sempre. 

Por fim, as plataformas tecnológicas. Assim como as habilidades humanas, cada plataforma também tem as suas. O uso inadequado leva a uma enorme perda de produtividade e desconforto para quem as usa. Ao mesmo tempo, as plataformas também são mais ou menos ansiosas. Cabe a cada organização decidir o mix correto a ser utilizado para diferentes necessidades. Para quem chegou até aqui, o que muito me honra, concluo esse artigo com um dos melhores parágrafos escritos pelo John Freeman e que vai ao encontro do que penso sobre comunicação corporativa.

“Continuar neste ambiente de comunicação techno-rave iluminado por luzes estroboscópicas será destrutivo para as empresas. Os funcionários que se comunicam a uma velocidade vertiginosa cometem erros. Eles esquecem, cruzam fronteiras que existem por um motivo, cometem erros desleixados, ofendem clientes, espalham rumores e fofocas que nunca passariam por canais offline, trabalham muito além do ponto em que suas contribuições são úteis, esgotam-se e quebram e depois têm problemas desligando e se recuperando. A rotatividade produzida por esse estilo de vida de comunicação não pode ser sustentada”. 

“Para aperfeiçoar as coisas, a velocidade é uma força unificadora”, disse o piloto de corridas Michael Schumacher. “Para as coisas imperfeitas, a velocidade é uma força destrutiva”. Nenhuma empresa é perfeita, nem qualquer indivíduo.

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